UM DIA QUE CONTINUA A SER OBRIGATÓRIO

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08-03-2025 | 16:51 | |

UM DIA QUE CONTINUA A SER OBRIGATÓRIO

Escrito por Carla Marques

8 de março é um dia que se escreve no feminino. Oito foram também as mulheres que o jornal O Gaiense convidou para falar sobre a pertinência desta data, o que significa ser mulher e as suas vivências numa sociedade onde os passos dados nem sempre são em frente. Mulheres diferentes entre si, mas com um ponto comum: o orgulho de ser mulher numa época em que parece que já tudo foi conquistado, mas em que, na verdade, ainda há muito a fazer.

Sobre a relevância da data, a vereadora da Câmara de Gaia, Paula Carvalhal, garantiu que faz todo o sentido, opinião corroborada pelas restantes convidadas.

“Não gosto de celebrar esta data no sentido em que não deveríamos ter de o fazer, mas, infelizmente, em pleno século XXI, temos de voltar às raízes e reafirmar a igualdade e a equiparação social da participação feminina versus masculina. O que mais me aflige é termos de dizer que ainda precisamos de conquistar os nossos direitos. Mas que direitos nos faltam e que deveríamos ter?” E lembrou: “As conquistas que temos hoje (e que são naturais na nossa sociedade) já não são passadas entre gerações. Há avós com 50 anos que desconhecem o valor do 25 de Abril.”

Raquel Mota Pinto, presidente do Lions Club de Vila Nova de Gaia, apontou números para justificar a importância deste dia: “Faz todo o sentido continuar a celebrar, porque ainda existem diferenças em termos de equidade. As mulheres ocupam apenas cerca de 17% dos cargos de administração e, em termos salariais, ganham menos 20% do que os homens. Enquanto isto acontecer, é necessário continuar a consciencializar a sociedade para a necessidade de mudança. Num passado recente, surgiu a lei da paridade para garantir a igualdade. Enquanto essa diferença existir… O Lions tem mais de 100 anos e só em 1987 foi permitido que as mulheres se tornassem companheiras. O meu clube é dos que mais incentiva a participação feminina, até porque as mulheres aportam mais empatia às organizações e os homens mais racionalidade”.

Correr num mundo masculino
Rita Vieira tem como profissão a prática de um desporto que, tradicionalmente, se escreve no masculino. No entanto, isso não a intimidou: “As pessoas foram-se habituando à minha presença, embora alguns homens não achem piada ficarem atrás de uma mulher. Mas pior do que isso é que o mundo do motociclismo ainda é direcionado para os homens. Por muito bons resultados que alcance, nunca surgirá uma boa oportunidade de patrocínio só porque sou mulher”. Num mundo (ainda) predominantemente masculino, Sara Barbosa é agente graduada na Polícia Municipal de Gaia, que “tem um rácio significativo de mulheres, embora continue a ser maioritariamente masculino. Ainda persiste a ideia de que, quando algo corre menos bem, é porque somos mulheres. Felizmente, o policiamento tem sido transformado ao longo dos anos. É um desafio ser polícia e os dias são todos diferentes. Temos de ter capacidade de gestão emergente e sentido de responsabilidade na forma como agimos. Nesse contexto, em que a polícia surge como auxiliar e numa vertente menos repressiva, a mulher pode ter maior sensibilidade”. Enfermeira gestora no serviço de Obstetrícia da ULSGE, Eugénia Rocha gere um mar de 80 mulheres. Garante que “não é uma tarefa fácil” e que “a racionalidade masculina é importante para um certo equilíbrio”. No entanto, reconhece que o Dia Internacional da Mulher “faz sentido, principalmente porque os homens ainda chegam mais facilmente a determinados cargos”.


Eugénia Rocha colocou ainda o dedo noutra ferida: “Vivemos tempos que me deixam angustiada. Todos os dias agradeço ter nascido no país em que nasci. Tinha nove anos quando se deu o 25 de Abril e sei o que isso significou para as mulheres deste país”. Vinda da área da História, Luísa Rodrigues, vice-presidente do ISPGAYA, recuou no tempo para lembrar as sufragistas que, no início do século passado, lutaram por mais e melhores direitos para as mulheres. Foi perentória ao afirmar que este dia faz todo o sentido, porque vivemos num mundo que nos coloca perante situações que julgávamos ultrapassadas. Essa constatação deu lugar a uma espécie de lamento: “Há mais de um século que labutamos quase pelas mesmas coisas. Basta ver um estudo recente que diz que os salários das mulheres, em condições de trabalho similares, continuam a ser inferiores aos dos homens”.
Também afirmou que não gosta de comemorar este dia, porque “é sinal de que ainda precisamos de levantar bandeiras”, mas reconheceu que “é importante, até porque há direitos das mulheres que estão a ser postos em causa em todo o mundo”.


"Enquanto mães, somos culpadas"
A empresária Manuela Vilas-Boas acrescentou: “Continuamos a ter disparidades. Já percorremos um longo caminho, mas quero alertar para o facto de que, enquanto mães, somos as principais responsáveis pela discriminação que sofremos como mulheres, porque temos filhos e transmitimos esses valores (eu não faço isso). Se queremos mudar a sociedade, o papel mais importante é nosso. Não gosto de discriminações positivas, que considero insultuosas. Quero ser reconhecida pelo meu mérito e não por ter um X e não um Y. Na minha vida empresarial, nunca senti muito a questão da discriminação e não perco tempo a pensar nisso no dia a dia. Na gestão de recursos humanos, olho para as competências, não para o género. Para mim, é uma não questão, mas reconheço que há um longo caminho a percorrer, apesar da evolução”. A proprietária da MVB-My Vegan Bags lamentou que vivamos “num mundo com pouca tolerância, onde as pessoas ‘normais’ estão a extremar-
se” e acrescentou: “Devemos celebrar o facto de sermos mulheres, até porque temos um ‘software’ que os homens não têm. A nossa inteligência emocional é única (ressonâncias magnéticas mostram que as mulheres ativam oito áreas do cérebro e os homens apenas três). A mulher continua a ser o centro da família e não quero abdicar disso”.


Uma luta constante
Na arte, a (r)evolução foi ainda mais intensa, como referiu a artista Margarida Santos ao lembrar o percurso de uma jovem que queria ser independente e dona da sua vida contra tudo e contra todos. Recordou a Revolução de 60 e o impacto que teve na liberdade individual, mas garantiu que nunca foi feminista. Lembrou ainda os olhares enviesados que recebeu e as palavras do professor Lagoa Henriques: “Menina, ponha essa franja para trás, porque uma rapariga não pode desenhar tão bem”. Os professores diziam que não tinha o direito de desenhar bem. “Conquistei tudo a pulso e com grande dificuldade. Quando fui convidada para dar aulas nas Belas-          -Artes, fui confrontada com a minha condição de mulher, pois engravidei, o que era considerado incompatível”. Dias, meses e anos de luta, mas que a levaram ao “patamar que quis, e nenhum homem me pode deitar abaixo”.

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